Uma Crônica de Segunda #5

segunda-feira, 28 de novembro de 2011 | Published in | 1 comentários

O maior problema de qualquer sala de cursinho, não importa para que seja, são os estereótipos que sempre aparecem. Sempre tem a gostosona que mal aparece nas aulas ou que entra, fica 5 minutos e depois sai. Sempre tem os chatos que chegam mais cedo e guardam os lugares para os outros amigos chatos para sentarem na primeira fila. Tem sempre aquele que fica fazendo pergunta para o professor o tempo todo, mas não é para tirar dúvidas e sim para ficar testando o conhecimento daquele que está dando aula, e por aí vai. É a claro que eu tenho o meu tipo preferido, pra mim, o melhor estereótipo de todos é: a mulher que te desperta uma espécie de súbita paixão platônica. Trata-se de uma mulher que não precisa nem ser a mais bonita da sala, mas ela te chama atenção de alguma forma e irá despertar o seu desejo durante todo o curso, mesmo que você nunca troque uma palavra com ela.
Na última vez que fiz cursinho eu tinha a minha musa. O nome eu nunca soube ao certo, mas a imagem dela sempre vem nítida a minha mente. Não era alta, deveria ter por volta de 1,60, talvez menos, tinha um cabelo castanho escuro que se encaracolava nas pontas e descia até o meio das costas. Era bela, apesar de uma leve barriguinha que saltava de suas roupas. Sempre se vestia de maneiras sóbria, um terninho ou tailleur, o que demonstrava que deveria trabalhar em algum escritório de advocacia. A minha tese do seu local de trabalho era reforçada pelo fato de que ela costumava chegar um pouco depois do início das aulas, sempre com uma expressão atarefada no rosto, e assim ela entrava na sala. A aula ainda em seu início, ela entrava quebrando o silêncio sepulcral com o barulho de seus saltos batendo no chão. Para mim esse era o melhor momento da aula, ela entrando, atravessando o corredor entre as carteiras, pé ante pé, com o tempo parando ao seu redor e meu desejo crescendo. Sentado no fundo da sala eu pedia para que o tempo parasse e eu pudesse ficar ali somente a contemplá-la...
Um belo dia vejo o braço dela se levantando em meio a aula. Nitidamente iria fazer uma pergunta e eu poderia pelo menos saber como era sua voz. Nesse momento, ela com toda a sua beleza começa a fazer sua pergunta num carregadissimo sotaque nordestino, com certeza de Recife. Isso apenas contribuiu para me deixar com mais tesão por ela. A bela recifense, com toda a sua beleza e seu jeito característico de falar despertava meu desejo e nessa hora descobri que estava desenvolvendo um novo fetiche: eu simplesmente adoro mulher com sotaque.

Resistência

sexta-feira, 25 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

            Era uma sala escura e isolada num bairro afastado do centro da cidade. Por motivos de segurança das partes envolvidas não podemos dizer em qual cidade eles se encontraram, muito menos o bairro ou o nome da rua. Os assuntos tratados por aqueles dois estava diretamente ligado ao futuro da humanidade, por isso tanto segredo sobre onde estavam ou quem eram.
            Chegaram separados, por caminhos diferentes. Na entrada do local foram revistados por seguranças e após levados para a sala isolada descrita acima. Após verificarem que nenhum dos dois trazia qualquer tipo de escuta e que não portavam celulares ou armas, a conversa começou:
 - Sinto informar, mas a conspiração é verdadeira. – Disse o primeiro deles.
- Isso é algo que já suspeitávamos há muito tempo. Você apenas confirma os nossos maiores receios. – Disse o segundo.
            E sim, a conspiração era verdadeira. Era terrível demais para se acreditar, e o primeiro, um infiltrado no meio dos conspiradores, ainda carregava em seu rosto as marcas dos traumas causados pelo que ouviu.
            Os dois ainda ficaram em silêncio algum tempo naquela sala, pesando as conseqüências do que acabava de ser dito. E após ter tomado um longo fôlego, o segundo, que parecia ser o líder ali, finalmente disse:
- É hora de organizarmos a resistência.
            Após isso saiu para dar um telefonema. O primeiro deles, o que revelou a existência da conspiração, manteve-se sentado, pensando em tudo que tinha feito.
            Sua missão fora simples na teoria, infiltrar-se entre os suspeitos e por fim descobrir se todas as suspeitas eram verdadeiras. E como já sabemos, as suspeitas eram reais. Foram anos sendo alguém que não, era apenas para confirmar a existência de uma sociedade secreta.
            Ele se inscreveu naquela faculdade de moda, meio que sem saber ao certo se as suspeitas eram reais ou não. Após anos tentando, finalmente conseguiu se encontrar com membros da conspiração e ser levado aos lideres.
 No mundo inteiro, grupos de estilistas se reuniam para traçar um plano escuso. A idéia original era que fosse exigido das modelos que ficassem cada vez mais esquálidas, eliminando as curvas que são naturalmente femininas. Era essa a explicação de porque o padrão de beleza havia mudado, a voluptuosidade fora substituída por mulheres praticamente disformes, que somente ao longe pareciam ter características femininas.
Mulheres magras, esqueléticas, eram criadas e colocadas na mídia, quase impostas aos homens, para que aos poucos o gosto deles por mulheres de verdade fosse eliminado. A beleza natural da mulher com curvas estava aos poucos sendo propositadamente eliminada.
Como disse antes, era um plano terrível, cujo objetivo nosso agente infiltrado não conseguiu identificar, e que no momento só podemos suspeitar.
Nesse momento, o líder voltou. Trazia um sorriso de satisfação nos lábios, e simplesmente disse:
- A resistência já começou!
            Por isso que lhes digo meus leitores, somente vocês podem resistir a imposição do modelo cruel que reduz as belas formas femininas a nada.
            Se você ainda insiste em achar seios e glúteos avantajados como algo bonito. Se algum dia você já chamou uma mulher de “gostosa”. Se algum dia sorriu satisfeito ao sentir a sua mão encher ao agarrar um peito ou uma bunda, então você faz parte da RESISTÊNCIA!!!!


Nota do Autor: Este é um texto satírico. Aos que se ofenderam, vão procurar algo melhor pra fazer. 

Uma Crônica de Segunda #4

segunda-feira, 21 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Uma vez vi uma charge do cartunista Arnaldo Branco que eu achei genial. Nela ele falava sobre o seu método para a escolha de filmes, um método chamado “deixe seus preconceitos correrem livremente”. Achei essa idéia interessante e comecei a tentar aplicar na minha vida, mas não para filmes e sim para música. Com um tempo, a idéia de deixar meus preconceitos musicais correrem livremente só me trouxe benefícios, e atualmente eu já tenho até uma pequena lista com preconceitos musicais já consolidados e que eu quero dividi-los com vocês:
  1. A menos que o nome da banda seja “Fulano e os Alguma Coisa” eu não ouço bandas cujo nome tenha mais de 4 palavras. Não sei de onde algumas pessoas acham que nome de banda tem que ser um período composto.
  2. Eu também não ouço nada que precise de mais de duas palavras para ser descrito. “Punk Rock” = bom, “Heavy Metal” = bom, Hardcore = bom; “Neo Metal Progressivo Gótico Melódico” = nem pensar e suma com essa coisa da minha frente.
  3. A menos que estejamos falando dos Titãs no início de carreira, eu também não vou ouvir qualquer banda que tenha mais de 5 integrantes. Qualquer coisa acima disso é palhaçada.
  4. No caso de bandas brasileiras, eu gosto de ver entrevistas com membros da banda. Se algum deles falar qualquer coisa “brasilianidade” como forma de descrever algo do estilo musical deles, eu também não vou perder o meu tempo ouvindo.
  5. E por último, eu não ouço nada que pareça feliz demais. A felicidade em excesso me soa falsa, tudo que é muito “felizinho”, muito “bonitinho” serve apenas para me irritar.
Essas são regras simples. Não são absolutas, mas das vezes em que as segui eu nunca me decepcionei. 

Bem Vindos ao Mundo Moderno

sexta-feira, 18 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Esta é a história de um pedaço da vida de Márcio. Não se trata de um período muito longo, mas sim de apenas um pequeno trecho no qual algo muito interessante aconteceu.
Márcio tinha acabado de terminar um namoro de quase 5 anos. Quase todas as pessoas ao seu redor tinham certeza de que ele iria se casar com aquela garota, afinal de contas ninguém passa 5 anos juntos por nada. Mas eis que um belo dia, por uma série de motivos que não convém aqui comentar, chegaram a conclusão de que deveriam terminar o namoro. Ambos choraram, ambos ficaram tristes, pois mesmo de comum acordo, quanto mais longo é um relacionamento, mais difícil fica ficar sem a pessoa, parece até que as pessoas se acostumam com a presença umas das outras, mesmo após o amor já ter ido embora.
Meio a contragosto, Márcio foi arrastado por alguns amigos para uma festa num desses bares que mudam de nome com freqüência, e na mesma semana que seu namoro havia acabado. Foi lá que ele conheceu Patrícia, conversaram um pouco, se afeiçoaram, e acabaram por trocar beijos e telefones. Em pouco tempo, menos de um mês, Márcio já estava namorando com Patrícia. Foi um absurdo disseram, e as frases ditas pelas costas de Márcio eram sempre as mesmas:
“Esse Márcio é um cachorro! Mal acabou com aquela menina e já está por aí, desfilando com outra bem na frente de todo mundo.”
“É um cara de pau esse Márcio.Tenho certeza que ele tinha essa aí com ele o tempo todo. Deve ter traído a antiga namorada o tempo todo com essazinha aí.”
“Márcio é um tremendo babaca!”


Agora iremos contar uma outra história, desta vez de Márcia. Não se trata de um período muito longo de sua vida, mas sim de um pequeno trecho no qual algo muito interessante aconteceu.
Márcia tinha acabado de terminar um namoro de quase 5 anos. Quase todas as pessoas ao seu redor tinham certeza de que ela iria se casar com aquele rapaz, afinal de contas ninguém passa 5 anos juntos por nada. Mas eis que um belo dia, por uma série de motivos que não convém aqui comentar, chegaram a conclusão de que deveriam terminar o namoro. Ambos choraram, ambos ficaram tristes, pois mesmo de comum acordo, quanto mais longo é um relacionamento, mais difícil fica ficar sem a pessoa, parece até que as pessoas se acostumam com a presença umas das outras, mesmo após o amor já ter ido embora.
Meio a contragosto, Márcia foi arrastada por algumas amigas para uma festa num desses bares que mudam de nome com freqüência, e na mesma semana que seu namoro havia acabado. Foi lá que ele conheceu Patrício, conversaram um pouco, se afeiçoaram, e acabaram por trocar beijos e telefones. Em pouco tempo, menos de um mês, Márcia já estava namorando com Patrício. Foi bem feito disseram, e as frases, ditas tanto pelas costas quanto diretamente para Márcia, eram sempre as mesmas:
“Você fez muito bem em terminar com aquele seu ex, o novo é muito melhor.”
“Márcia ninguém pode falar nada de você. Você é mulher e pode fazer o que você quiser e ninguém pode ficar te julgando. Julgar você é machismo.”
“Márcia, você é uma mulher que merece meu respeito. Fez muito bem em seguir com a sua vida.”

            Bem, só posso dizer que esse é o mundo moderno que vivemos. Sejam bem vindos a ele.

Uma Crônica de Segunda #3

segunda-feira, 14 de novembro de 2011 | Published in | 1 comentários

Visando me concentrar mais para estudar para um determinado concurso público, eu resolvi para de beber. É uma forma de me motivar: fico sem beber enquanto estudo e a possibilidade de voltar a beber me incentiva a estudar cada vez mais. Já fazem cerca de 5 meses que eu abri mão completamente de consumir álcool, o que é para mim um recorde. Esse é o maior período que eu já fiquei sem beber desde que eu tinha 15 anos.
Mas como é de se esperar nada vem de graça. A minha abstinência alcoólica trouxe consigo uma maior sensibilidade pra mim. Nos últimos tempos eu fiquei cada vez mais intolerante com coisas que eu relevava. Pseudo-intelectuais, poetas de segunda e revolucionários de boteco antes eram apenas motivo para um pouco de riso e, às vezes, escárnio, hoje eles já me despertam ódio. Pequenas coisas da vida que passavam por mim despercebidas, agora me irritam e me estressam de formas que eu jamais acharia que fosse possível.
O cúmulo de tais irritações extremas aconteceu a poucos dias. Estava dormindo no sofá e meu irmão fez uma brincadeira comigo que me acordou. Acho quer nunca disse tantos palavrões numa única frase, e acabei fazendo sérias ameaças a ele, que ficou espantado e sem saber o que fazer ao me ver de tal forma agressivo.
Nessa hora meus familiares se reuniram e eu acabei ouvindo dos meus pais algo que jamais achei que ouviria. Eles olharam sério para mim e disseram: “meu filho, por favor, volte a beber. A abstinência está te fazendo mal”. Acho que eles tem razão, mas vou ficar espantado com essa frase pelo resto da vida. Meus país querem que eu volte a beber, apenas porque assim eu me torno uma pessoa mais suportável.
E essa história me fez pensar em outra coisa. Se meus pais querem que eu volte a beber para ser mais tolerável, meus amigos então devem estar sofrendo muito mais. Infelizmente eu estou descobrindo que o álcool pra mim é uma necessidades, é a única forma de tornar as outras pessoas e a mim mesmo um pouco mais tolerável. 

Trocas

sexta-feira, 11 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

            “O beijo é aquilo de mais íntimos que dois seres humanos podem compartilhar. Nem mesmo sexo consegue passar uma intimidade tão grande quando o beijo em si. Por esse motivo que as putas não costumam beijar seus clientes. O beijo é um momento de compartilhar profundas emoções, sem igual. Um momento no qual um pouco de você fica com a pessoa beijada e um pouco dessa pessoa fica em você.” Esses eram os pensamentos que passavam pela cabeça do JC de Moraes enquanto, entre sorrisos amarelos e elogios sinceros, ele assinava dezenas de livros em sua primeira noite de autógrafos.
            Os motivos que o levaram até ali eram absolutamente estranhos. E tão estranhos quanto os motivos era o que havia por trás daquele trajetória dita brilhante. Os caminhos que sua vida tomou eram influenciados de forma inusitada justamente pelos beijos que naquela hora ocupavam sua cabeça.
Mas vamos contar a história de forma mais completa. JC de Moraes era o nome pelo qual José Carlos Almeida de Moraes era conhecido. O nome de batismo havia sido substituído por “JC” já durante a infância, e o “de Moraes” foi incluído durante os primeiros anos como professor universitário.
            Ele havia passado no vestibular de sociologia de uma universidade pública federal. Os motivos de ter escolhido esse curso eram bastante simples: nota de corte baixa. O que levou JC a sociologia era simplesmente o fato de que era uma das notas mais baixas para aprovação no vestibular e ele precisava fazer algo agora que havia terminado o segundo grau.
            Passou na primeira tentativa e pouco tempo depois estava perdido em meio aos demais calouros do curso. E foi justamente no primeiro semestre que havia conhecido uma garota chamada Amanda. Pode-se dizer que ela seria quase o contrário dele: politizada, filha de professores universitários, havia escolhido aquele curso por vocação, apesar da capacidade estar até em cursos mais concorridos. Por não saber desse segredo de JC com relação a escolha do curso acabaram ficando amigos e de amigos em pouco tempo se tornaram namorados.
            A troca de beijos entre eles acabou por deixar algo em JC. Parecia que cada vez que dividia seu tempo com Amanda, mais ele se aproximava da sociologia e mais parecia gostar do assunto. Já na metade do curso, mesmo com o fim do namoro, algo de Amanda havia ficado em JC, e ele acreditava que era a paixão pela sociologia.
            Um tempo depois engatou outro relacionamento, desta vez com Paula. Alguém que ansiava pela carreira do magistério superior e os planos para depois de formada eram um curso de mestrado e posteriormente um doutorado. JC nunca havia pensado seriamente sobre esse assunto, mas a cada momento passado com Paula, a cada beijo trocado, a vontade de ser professor universitário parecia tomar conta dele. Era como se o contato entre as línguas trouxesse um desejo oculto de seguir carreira acadêmica, e mesmo com o fim desse relacionamento, JC prosseguiu com o mestrado e posteriormente um doutorado, este feito fora do país.
            A vida fora do Brasil estudando não é tão fácil como se pensa. Viver na França, estudando com bolsa, apesar de certas compensações, é difícil... Mas mesmo em meio a tantas dificuldades, um outro relacionamento surgiu. Ele estava no doutorado, ela no mestrado, ele brasileiro, ela francesa. Sophie, era uma bela loira européia, inteligente, mestranda em literatura que sonhava em escrever seu primeiro romance. O relacionamento entre os dois foi intenso e durou apenas o tempo do doutorado de JC. Distâncias impedem muitos relacionamentos, e a volta ao Brasil dele impediu a continuidade desse...
            De volta ao Brasil JC passou a subitamente se interessar por literatura. Era como se algo tivesse ficado dentre dele, a vontade de escrever um livro, um romance, algo fora do mundo dos livros técnicos. E essa vontade ficou dentre dele por um longo tempo e era concretizada nesta noite, com aqueles autógrafos que vinha dando.
            E era por esse motivo que ele pensava sobre o beijo. Todas as mulheres com quem tinha se relacionado haviam deixado um pouco delas nele. As três descritas aqui eram apenas as mais importantes, que duraram mais tempo, mas as que deixaram as maiores marcas. O amor pelo curso, a vontade de carreira acadêmica, a vontade de publicar seu livro... Tudo não estava nele de início e parecia ter sido transmitido por simples beijos.
            E ele estava ali, já passado dos 40, autografando seu primeiro romance e pensando em como tudo havia chegado até ali. Nos beijos que o haviam levado até ali, e pensar nisso só comprovava sua teoria de que beijo é mias íntimo que sexo. O sexo pelo sexo não era capaz de deixar tantas marcas como os beijos em seu passado o haviam marcado, trazendo vontades que até então não existiam.
            E esses pensamentos aos poucos se tornaram quase que uma verdade para JC. Em pouco tempo passou a ter certeza de que somente estava ali, autografando seu romance, por conta das marcas deixadas pelos beijos do passado. E dessa certeza veio outra, bem mais complexa. JC percebia por meio de seus alunos que cada geração era mais volúvel que a anterior e isso tinha explicação. Cada vez mais o momento íntimo do beijo era afastado em troca do simples prazer, e assim cada um adquiria cada vez mais experiência de cada vez mais pessoas. Se um pouco da pessoa fica em cada beijo dado, um pouco de muitas pessoas havia ficado nos jovens que agora eram seus alunos (e que muitos também estavam ali para o lançamento de seu livro) e que estavam trocando intimidades com cada vez mais pessoas. E a cada troca, novos desejos entravam, e a grande quantidade de desejos que entravam, cada vez mais constante e cada vez mais diferentes, tornavam as pessoas apenas mais volúveis. E isso explicava muitas coisas que ele via acontecendo ao seu redor.

Uma Crônica de Segunda #2

segunda-feira, 7 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Quase todo contrato de leasing costumava ter uma cláusula prevendo a cobrança do chamado “ressarcimento de despesa de serviços bancários”. Tratava-se da cobrança de cerca de R$ 4,50, as vezes um pouco mais outras vezes um pouco menos, mas que na prática nada mais era do que uma cobrança para que a financeira lhe enviasse o boleto bancário para pagamento. Não precisa dizer o absurdo que isso era, tanto é que após várias decisões judiciais declarando a ilegalidade dessa cobrança o Conselho Monetário Nacional a proibiu. 
Sim, eu tinha um contrato de leasing ainda vigente, e sim, nos meus boletos bancários vinha essa maldita cobrança. Mas que grande surpresa eu tive quando recebi uma carta de uma instituição financeira dizendo que, devido a ilegalidade da cobrança, eles iriam me ressarcir de todos os valores pagos por mim a título de “ressarcimento de despesa de serviços bancários”. A princípio eu não conseguia acreditar, afinal de contas a carta me orientava a ir numa agência bancária para receber dinheiro, e eu nunca tinha sequer ouvido falar de coisa parecida. 
Meio cético, procurei a uma agência desse banco e soube que a carta era verdadeira.Foi confirmado que eu tinha direito a receber tudo que paguei a mais, e com correção.
Feliz, me dirigi ao caixa para receber o dinheiro. Valor total: R$ 77,41. Mas o valor em si para mim não importava, também não importava o fato de que eles simplesmente estavam me devolvendo algo que eu já havia pago. O que importava de verdade era que pela primeira vez na minha vida eu fui a um banco para receber dinheiro. Saí de uma agência bancária com mais dinheiro do que quando entrei. Tenho a impressão de que isso nunca mais acontecerá de novo. 

Fútil

sexta-feira, 4 de novembro de 2011 | Published in | 0 comentários

Ana Carolina era o nome feminino mais comum que se pode imaginar, mas aquela “Ana Carolina” não tinha nada de comum. Era alta, longos cabelos pretos, corpo de quem passava horas na academia, uma verdadeira gostosa. Se vestia bem e mesmo com roupas ditas “sérias” para o trabalho, ela abusava de decotes e saias que moldavam seu belo corpo. Ninguém sabia ao certo os motivos pelos quais ela tinha sido contratada na empresa, mas haviam algumas suspeitas: ela era filha de um dos superintendentes, ela era comida por um dos superintendentes, ela era filha de um político e um superintendente estava fazendo um “favor’... enfim, várias eram as especulações, mas uma coisa era certeza: ela não tinha sido contratada por sua competência.
O momento que ela se levantava para buscar água ou café era um dos mais esperados do dia. Quase todo mundo parava para vê-la atravessar a área de trabalho com aquele rebolado que só ela tinha. Era um espetáculo que tornava difícil olhar para qualquer outra coisa. Até mesmo conversar com ela era difícil, pois por conta dos fartos seios e do amplo decote que sempre usava, muitos homens que a conheciam a anos não saberiam dizer sequer a cor dos olhos dela.
E como ela lidava com tudo isso? Bem, ela adorava ser o centro das atenções. Cada uma das roupas era cuidadosamente escolhida de manhã para provocar o maior número de homens possível. Ela era gostosa, sabia disso e não ligava se a achavam vulgar. Não tinha sido contratada por sua competência e sabia disso, era muito bonita e também sabia disso. Tinha todas as armas, armas que deveriam ser usada sempre que possível. E justamente por ser sempre o alvo das atenções de todos os homens (e muitas vezes alvo de inveja de várias mulheres) que aquele novo estagiário tinha lhe chamado tanta atenção. Ele foi o único que, enquanto ela desfilava em direção ao café, foi o único que a olhou, balançou a cabeça e voltou ao trabalho.
Ser ignorada por um homem era inacreditável. Ele simplesmente a olhou, e em seu olhar não havia desejo, não havia nada, e ele só voltou a cabeça para os papeis que estava lendo. Nenhum homem jamais a havia ignorado daquela forma, até mesmo os gays da empresa olhavam para ela, estonteados com sua beleza, e não seria um estagiário novo que ficaria sem contemplar toda a sua beleza.
No dia seguinte vestiu-se para matar. A roupa vermelha, o amplo decote e a saia grudada ao corpo era para chamar mesmo a atenção. Nesse dia ouviu comentários por toda a empresa sobre como ela estava linda, mas aquele estagiário nem mesmo se deu ao trabalho de olhá-la, e voltou a ficar compenetrado com seus papeis e no computador a sua frente.
Era um absurdo! No dia seguinte mais uma vez tentou chamar a atenção do rapaz e mais uma vez foi ignorada. E assim foi por quase uma semana, até que ela resolveu tirar satisfações, afinal não era possível que alguém a ignorasse daquela forma. Reservou um tempo durante o almoço para conseguir falar com o estagiário sem a presença de outras pessoas. Ele trabalhava apenas meio expediente, sempre depois do almoço, e sempre chegava cedo, ouvia um pouco de música e começava a trabalhar. Geralmente na hora que ele chegava a empresa estava vazia. E foi nessa hora que a conversa aconteceu.
Ana não sabia como começar a conversa, o que acabou fazendo com que optasse por uma abordagem mais direta. Puxou uma cadeira para o lado do estagiário e lhe disse com uma voz que faria qualquer outro suspirar de tesão:
- Oi tudo bom?
            Ele respondeu com um breve “oi”, e voltou a ler alguns papeis. Ela insistiu:
            - Por que você não olha pra mim quando eu passo? Tem algo errado comigo?
            Nessa hora o estagiário respirou fundo, deixou os papeis de lado e disse:
            - “Eu não acredito nas mulheres que não estão ao meu alcance”
            Ana ficou sem entender e deixou isso transparecer em seu rosto (não que conseguisse evitar). Mais uma vez o estagiário respirou fundo e continuou.
            - Esse é um trecho de uma música antiga. Olha para você, não vou negar que você é bonita, e eu por outro lado não sou. Também não sou rico, muito menos sou uma pessoa muito simpática. Admirar você é como o cachorro parado em frente a uma máquina de frango assado, desejando algo que nunca vai ter. Pra que vou admirar você tanto assim se sequer o pensamento de você querer alguma coisa comigo irá passar pela sua cabeça? Não sou rico, não sou o seu tipo, é perda de tempo te admirar.
            Nessa hora Ana se sentiu incomodada, indiretamente havia sido chamada de fútil e superficial. Respondeu meio que contendo a raiva:
            - Quer dizer então que você me acha tão superficial ao ponto de não quer nada com alguém se o cara não for bonito e rico?
            E ele respondeu prontamente:
            - Qual é o problema nisso? Você é fútil, todos somos fúteis. Eu apenas admito que isso é normal, e sigo o meu caminho sem me importar muito com isso.
            Nessa hora Ana ficou calada e saiu. Realmente nunca iria sair como um rapaz como aquele, mas mesmo assim sentia que ele deveria admirá-la, desejá-la...  Era como se algo não mais estivesse encaixando. Não era assim que o mundo dela funciona, ela era admirada e ponto, aquelas palavras ecoavam em sua mente e isso não a deixava em paz.
Voltou mais cedo do trabalho para casa e ficou com as palavras daquele jovem rapaz ecoando na sua mente. No dia seguinte voltou ao trabalho, não usava mais roupas tão provocantes. De repente, era como se chamar tanta atenção tivesse perdido completamente a graça.